O relógio já rompia a barreira das onze da noite, quando a dona Geralda foi acordada pelos gemidos de Pedrinho. Aos dez anos, ele sempre havia sido um garoto saudável, mas sua aparência denunciava que isto havia mudado. A febre o fazia transpirar, enquanto fortes dores denunciavam que sua saúde havia se deteriorado rapidamente.
Nada no dia do garoto apontava este desfecho. Havia ido à escola pela manhã, almoçado com a família e combinado de jogar bola com uns amigos no fim da tarde. Era uma das poucas opções de lazer disponíveis, mas a tranquilidade de morar em uma comunidade pequena, sem os transtornos dos grandes centros, amenizava essa carência.
Contudo, como toda cidade interiorana, havia carência em outras áreas mais vitais e a saúde era uma delas. Em razão do horário, postos de saúde, já haviam fechado; os donos de farmácia, se recolhido; e a emergência que seu estado clínico impunha, deixava como única opção solicitar uma ambulância para que Pedrinho fosse atendido em um município vizinho.
Mas, a quem recorrer? O motorista da ambulância de plantão, ela não sabia quem era; ainda que soubesse, tirá-lo de casa exigiria autorização de vários níveis de governo. Precisava falar com o fulano, que rearia o caso ao seu superior, que encaminharia ao secretário de saúde, que, talvez, ainda entrasse em contato com o prefeito - afinal, a decisão de liberar a ambulância naquele horário, estava nas mãos deles!
Aquela cadeia de comandos, ainda que ninguém assumisse, servia a um propósito: alimentar o ego de autoridades, que depois poderiam dizer que Pedrinho teria sido salvo graças à ajuda deles - mesmo que o atendimento médico de urgência seja um direito básico e um dever sagrado que não se poderia negligenciar.
As mãos de dona Geralda precisavam se unir, em gesto de oração, para que as mãos capazes de liberar a ambulância atendessem suas preces. Já não era mais a devoção ao seu santo favorito que importava! Havia a necessidade de implorar para que, em nome da vida do filho, fosse libertada daquela cadeia de comandos que o condenava a morte!
E isto poderia ter sido evitado: no gabinete escuro da sala do prefeito, naquela noite empoeirava sobre a mesa um Requerimento para que um aplicativo de celular fosse implantado na Secretária de Saúde e liberasse os moradores do vilarejo da necessidade de implorar por ajuda: bastava clicar em um botão e, em segundos, o plantonista saberia da emergência e encaminharia a ambulância. Só isso!
Não foram necessários recursos públicos para apresentar o sistema em operação para dona Geralda, mas o prefeito hesitou em implantar. Não havia discussão no legislativo, pois os vereadores já haviam aprovado a ideia. Não havia dúvidas se era possível, pois a proposta não oficial do sistema estava pronta! Tudo o que era preciso era desapego às chaves daquela cadeia de comandos para que implorar, não fosse mais necessário.
A família de Pedrinho, agora chora. As partidas de fim de tarde, foram suspensas. E enquanto o luto se dissipa entre a comunidade, há um sentimento de que, em se tratando de vida e morte, a "saúde na mão" de quem precisa vale mais do que na mão de dez poderosos que possa haver na cidade.
*Wesley Ferreira é advogado em São Paulo (SP)
Segundo ele, o Ministério Público Federal (MPF) apura informações sobre contas bancárias específicas e exclusivas para o Fundeb, conforme determinam as normas do programa.
Maria da Costa Filho, conhecida como Dona Fia, declarou que se sente valorizada ao ter seu trabalho reconhecido por meio de sua participação na Festa do Leite de Araputanga.
O que é Urgente, não pode esperar! Entre em nosso grupo do WhatsApp e receba alertas de notícias.